Aquela noite parecia mais fria e incomoda do que todas as outras já vividas. Todos estavam dormindo e eu apenas permanecia de olhos abertos. Levantei o mais devagar possível, minha cabeça estava confusa, ainda podia sentir o cheio de Chad. Doce e confusa ilusão. Sai da cama lentamente, caminhei até a minha penteadeira comecei assim a procurar a bendita chave que abriria a gaveta, aquela gaveta que há anos não abria! Não demorei muito até encontrar a chave, afinal como boa perfeccionista que sou, não deixaria aquela pequena e preciosa chave em qualquer lugar. Ela estava colada atrás de um porta retrato e neste tinha uma foto minha com ele, foto tirada uma semana após o casamento. Rapidamente levei minha mão até o local e de lá retirei a chave, não voltei colocar o porta retrato de pé preferi não ver novamente aquela foto, ao menos não naquele momento. Meus dedos finos e longos de pianista seguraram a chave foi neste momento que abri a gaveta.
Alguns poucos papéis estavam lá dentro, dentre estes uma agenda, essa que há vários dias corridos não era aberta, me sentia só por mais que rodeada de vários “amigos” algo faltava e esse algo era sim meu ex esposo, para muitos isso era bobeira, loucura de minha cabeça a maioria dizia para esquece-lo e procurar uma outra pessoa, mas não consigo ser metade, não consigo amar mais de uma vez, e o que sinto vai além do que pensei, vai além de tudo que já vivi. Nicole minha alma mantinha-se ao meu lado, demonstrava uma tristeza maior do que a minha, consegui ver nos olhos da mesma algo que me fazia ficar mais preocupada com ela do que comigo mesma.
– Eu sei que todos devem pensar que sou uma boba, uma velha boba. Acho que só você me entende. –
Findei acariciando a cabeça de minha alma, enquanto a outra mão ( esquerda) segurava a agenda.
– E minha agenda, ela sempre me compreendeu muito bem, espero que ela não me deixe agora. –
Levantei calmamente da mesa onde estava sentada. Tudo que fosse “normal” ou que eu estava acostumada a fazer parecia me deixar com raiva.
– Não aguento mais esta casa, não aguento mais minha vida, estou cansada de mim mesma. –
Meus pés seguiam calmos para a varanda parei ali, sentei e fiquei olhando o céu. Coisa quase óbvia para uma noite de insônia. A Lua estava bem no alto, acima de tudo, haviam tantas estrelas que o céu estava cintilante. Naquela noite em especial o céu parecia diferente, antes eu não conseguia ver tantas estrelas. Era um céu noturno que não passava de um manto escuro, pesado e solitário. No entanto naquele dia em especial, o céu noturno estava bonito. Estranho, aquilo era estranho! Porque meu dia de tristeza profunda revelava um céu tão belo quanto aquele? Me perguntei como poderia o mesmo céu ser tão diferente com somente a mudança do ponto de vista. Não custou muito para que perceber que o céu não é o único com duas faces. Todos temos outras faces, outras verdades. Se é dia em algum lugar, em outro é noite. Ninguém é 100% sem estrelas, ninguém é 100% bom eu não era, e conhecia várias pessoas que também não. Se hoje está nublado, amanhã pode fazer sol. A noite sempre vira dia e ninguém para o percurso dos rios. As pessoas são feitas de mentiras e as mentiras só existem quando existe uma verdade ou várias verdades, que seja. E assim como as estrelas furam a escuridão, também podem haver sorrisos furando a solidão. Meus pensamentos estavam mais tensos do que o normal, eu estava mais tensa do que o normal.
Deixei uma lágrimas escapar de um de meus olhos, toquei a face e a vi em meu dedo. Uma gota tão pequena, tão leve mas carregava tudo aquilo que a alma não conseguia segurar. Uma gota quente que não era fria ou sincera, que podia ser dor ou alegria, arrependimento ou emoção. Quem entenderia a alma? Quem ousaria pisar nas estranhas terras do coração? As estrelas não brilham apenas no céu e mesmo quando amanhece e nós não podemos mais vê-las, nós sabemos que elas estão ali, às vezes à gente só esquece disso. Nicole permanecia ao meu lado e diferentemente de mim chorava com mais intensidade e várias gotas de lágrimas caiam sobre sua cara. A agenda que na realidade era um diário estava sobre meu colo, agora era o momento certo de abrir, li algumas páginas e as lágrimas fluíram, era bom chorar, quando choro me sinto liberta, e por fim me acalmo. (…) Não li quase nada, afinal só ficaria mais triste ao ler algumas coisas já vividas, queria escrever, queria que fluísse de mim o que estava sentindo, girei meu condão fazendo com que uma pena e tinta aparecessem, procurei uma página que estivesse em branco e comecei a escrever:
Ocorre, confunde, surpreende minha mente o vislumbrar de sua imagem como uma obra pintada em meu subconsciente. Teu olhar sereno, teus lábios úmidos, teus traços únicos. Como é lindo, o meu amado! Tua voz marcante, melodia insana para minha mente eloqüente. Teu sorrir menino, perdição e paraíso para meu delírio atordoante. Teu ser proibido, pecado mais borbulhante de meu eu humano. Pesadelos gritam em plena à luz do dia (posso ouví-los rir de meu ingênuo e culpado sentir) tapando meus olhos para as possibilidades do impossível realmente vir acontecer. Meu olhar perdido marejado em lágrimas do desespero de sentir correr pelos dedos o amor que, em longo cultivo de tempo, zelei e para mim morri com o anseio de sempre o ter. As cores do mundo perderam-se mediante meu desespero, creio ter chegado, finalmente, à eloqüência máxima… Dormir não cabe mais à minha rotina, pois sonhar contigo e acordar solitária arranca de mim um pedaço de vida encurtando o desejo de viver. Respirar ocupa muito tempo de meu dia já que, na minha exaustão, aprendi a respirar teus ares. Atá-me, canção. Rimas que ao peito teceu desejo, angustia, saudades, amor… Amor-ticínio. Estanca, espanca meu eu. Espalha, esvaira. Ponto de loucura. Ápice de devaneio… Perco a sanidade, a coerência, a concordância… Perco-me de mim por este amor que para mim desejo novamente. Desejo tê-lo completamente ao meu lado e desejar isso é uma maldição. Amá-lo tornou-se razão para manter-me viva. Oh! como odeio-te homem cruel. Por Deus! Como te desejo homem amado. Creio que isso é a o que damos o nome de amor… Este sentimento infantil, puro, persistente. Este sentimento forte e concreto que até aos anjos permite o luxo da loucura.
Eu escrevia, falava… Chorava, e pensava. Me senti perdida, sim perdida em meus devaneios enquanto as palavras fluíam de minha mente, a noite fora toda passada ali, a brisa fria só aumentava quase que me congelando, mas isso era o de menos, eu queria esta ali, não sai até o dia raiar. E quando isso aconteceu segui até a cama. Lancei um feitiço na porta assim ninguém iria me incomodar o dia todo estaria só e por sorte todos pensariam que estava trabalhando, enquanto eu morria dentro de mim mesma naquele quarto.
Anderson Bragança Barros







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